terça-feira, 28 de outubro de 2008




Tomates de sangue

Não. Esse não é mais um título de filmes de Hollywood que pretendem causar um impacto, na procura de algum tesouro perdido. Nem muito menos diz respeito aquela piada sobre os tomates que atravessaram a rua, que até eu que não sei contar piadas posso me lembrar como ela termina. Splash!
Na verdade é sobre outro assunto. O dia não havia começado nada bem, afinal dores intermináveis em cada veia e artéria das pernas, e cólicas menstruais que te deixam se contorcendo procurando enlouquecidamente uma posição em que possa APENAS não sentir dor, não é uma das melhores maneiras para se começar o dia. E sem contar que não sei o que continuo procurando, porque pela minha experiência prática essa posição não existe, ou não existiu até hoje. E olhe que eu não estou exercitando minha veia hiperbólica ainda. Pois bem, mas o fato é que enquanto espero incansavelmente que o entregador da farmácia chegue com o remédio que já pedi há uma hora atrás, surge uma pergunta brilhante de um amigo que divido apartamento, sobre o que vamos ter para o almoço. Bem como as dores infernais atacavam até o meu cérebro me impedindo de raciocinar, foi bom que a pergunta já veio com uma resposta: macarrão com molho de tomate com carne moída. Só me restou após a chegada do aliviador de sofrimentos, descer três andares e ir à quitanda bem pertinho comprar tomates e macarrão. Uma bela refeição, não é mesmo?
Pelo menos é rápida, prática, e enche o bucho.
Mas a questão principal não é se os nutrientes do almoço vão ser necessários para a rotina do nosso dia, pois de fato eu dei uma boa emagrecida depois que cheguei em Recife, mas a questão é que os nutrientes vão ser os mesmos do jantar também, aí se aplica o ditado popular que o meu pai sempre me dizia: “Saco vazio não fica de pé, minha filha”. Que pena que eu nunca perguntei a ele uma coisa que sempre me intrigou. Se macarrão é sinônimo de vazio. Nesse sentido, apesar de deixar o estômago cheio, não sei se o macarrão pode encher o saco. Aliás, sei. Já encheu a minha paciência. Ou peco o cardápio, ou continuo me alimentando de luz!
Na busca pela quitanda, aqui na Brasilit favela, ou comunidade de favela, como preferirem, que fica aos arredores da UFPE, acho o tal lugar. A princípio, não sabia se pedia para atravessar toda a muralha de ferro que mais parecia uma prisão, ou se me comportava como no presídio e esperava a comida vir pela janela de ferro. Só que eu queria poder escolher os meus tomates pelo menos. Então, peço a senhora gentil para entrar e ela sem exitar muito vai trazer aquela chave enorme de porta de castelo de desenho animado. Mas não é para menos, o casal de velhinho, criou uma espécie de armadura na sua casa, onde o jardim em vez de ter flores e árvores, agora tem frutos, a quitanda. Um comércio que contribui para a atividade dos dois e deve cooperar e muito no orçamento familiar, considerando o valor da aposentadoria brasileira... Às vezes os jardins acabam dando alguns frutos e não mais flores. Isso quando existe pedaços de terra, ou espaço privado para todo mundo, mas isso é outra questão. É um infortúnio, infelizmente, e necessário à sobrevivência nos subúrbios metropolitanos. A estratégia que elaboraram para se proteger foi a incrível máscara de ferrro, quase uma masmorra, todo o muro é feito de ferros chapados e pontiagudos. Só tem um espaço para colocar a cabeça e fazer o pedido. Quase um drive- thru de Brasilit!
Bem, eu moro aqui a apenas sete meses, então não devo ter propriedade para julgar se o local é perigoso, ou não, principalmente para os moradores mais antigos, que já são da “área”. Contudo, não cheguei a perguntar a quanto tempo o casal mora lá.
Mas o que eu pude observar é que, ou a senhorinha não quer abrir a casa dela para todo mundo, e criou um esquema mais ou menos parecido do que tinha nas bodegas antigamente, onde a grade de ferro funciona como um balcão, ou realmente ela se preocupa com a sua segurança e do seu companheiro, o que significa que ela tem medo de que algo possa acontecer, por isso está com um arsenal de defesa preparado. O fato é que pelo menos eu acho que meu estereótipo não se encaixa com o de uma criminosa, pelo menos para ela não, porque, afinal, eu pude escolher meus tomates. Ou ela pensou que alguém tão desnutrida assim, na queda de braço com ela seria fichinha.
E acabei tendo uma conversa muito amigável com dona Josefa, ela quase não me deixou ir embora, e as cólicas voltando, e eu me despedindo: - até outro dia, mulher. Na verdade, eu vou virar cliente para tirar maiores conclusões. E porque, a quitanda tem verduras e frutas boas e baratas também. Olha eu aqui fazendo a propaganda. Porém quando eu estava indo embora, chegou uma senhora e perguntou se tinha maracujá. Dona Joseja fechando a cadeia, respondeu: - Quer quantos... E a mulher continuou o diálogo e eu continuei a andar e pensar. Será que eu vou pode escolher os meus tomates da próxima vez.?

3 comentários:

Helder Oliveira e Bárbara Duarte disse...

Me fez lembrar um dia em que eu estava em território desconhecido, (a mesma brasilit) que para ti já não é tanto, né?
Tu lembras? Eu chegando com uma animação na mão.. -E esse filme? -Loquei! kkkkkkkkkkkkkkkk muito hilário.
Quero sim, voltar. E de lá, locar um filme a cada visita. Assim como você, virar cliente!
Em meu cadastro nem precisei burocratizar-me como de costume. Além de minha imagem registrada pelo guri do pequeno vão de locação, nada de números ou letras vãs.. Fez-se necessário apenas o registro por próprio punho das cinco letras que formam meu vulgo.

Com um dia de atraso, deixo em pleno domingo fechado, debaixo de portas escuras o filme locado. Sem multa a ser paga, pelo concenso gerado, pego-me indo embora com você do meu lado.

Anônimo disse...

será que escolher os tomates saõ mesmo a intenção? ou o lado pesquisador / antropólogo fala mais alto? com que olhar enxergamos o mundo?

tanto a dor quanto as grades nos separam de quem está ao redor. a interação depende de cada história pessoal, das delícias e das dores de cada um.

dona josefa está em cada um de nós, o reflexo permanente do meu eu mais sensível, ela que sente, que sofre, que diz que tá tudo bem.

mas a pergunta que mais me intriga não se refere a nada do que foi dito, o que me deixa instigado é saber: o almoço foi bom?

Anônimo disse...

foi bom sim! anônimo. :)
Bárbara.