terça-feira, 7 de outubro de 2008

O palhaço da luz e a rainha da noite: Uma psicodelia noturna em Olinda

A rua deveria ser dos pedestres e dos artistas. Que pena que os paralelepípedos e os carros às vezes não contribuem para isso. Contudo, em meio ao caos da modernidade e da “civilização” ainda existem figuras que conseguem expressar sua grandiosidade que continua latente diante de configurações que desprezam sua simples expressão.

Para começar o espaço público não é nada mais do que uma fantasia inocente de que o individuo tem autonomia, quando na verdade as mercadorias que os representam são quem dominam as relações. Na contemporaneidade, o automóvel pode ser considerado um dos maiores símbolos da individualidade dos sujeitos. E alguns ditados como você “e o que você tem” começam a prevalecer. Assim, a idéia da rua como espaço de sociabilidade dos indivíduos e de trocas simbólicas, começa a ser tolhida pela modernização, em que a primeira via é a dos calhambeques, no sentido lato da palavra. No espaço da rua, o pedestre não se difere do artista quanto ao uso que faz do espaço. Todos os dois estão sujeitados a uma lógica de “esperar o carro passar”.

Contudo, pode-se pensar que isso diz respeito a uma questão cultural brasileira, já que em outros países, existe uma política um tanto diferenciada, centrada no individuo como ser integrante dos espaços públicos, a exemplo da criação de espaços de convivência, e de um direcionamento do trânsito no sentido de privilegiar o sujeito andante. O que não chega a ser um novo ordenamento da realidade, pois os motores continuam sendo mais importantes do que os pés. Mas se configura como atitudes de pensar a cidade como um espaço excepcionalmente dos sujeitos, e não dos motores. Assim como nas artes o advento da tecnologia trouxe uma ressignificacao da arte de rua, ela nesse sentido acaba sendo encarada como uma alegoria de um passado distante ou idílico. De toda forma, não cabe a esse escrito se ater à realidade macro, mas especificamente a experiência vivida na cidade de Olinda.

Numa noite cheia de surpresas, duas figuras são os personagens que surpreendem o cenário de uma cidade que parecia não perceber a existência de figuras tão excêntricas e originais. Em meio a um panorama que congregava as várias facetas de uma cidade turística com diversos atrativos para os viajantes ou passantes, e também para os nativos, a BUDEGA é um elemento que carrega a simbologia do passado nordestino, de alimentar as cidades com as mais variadas especiarias, e que em algumas localidades ainda está bastante presente. No caso específico a sua caracterização, não passa apenas de uma tentativa de trazer um símbolo da identidade regional, a fim de caricaturar um nordeste que hoje é múltiplo, e transbordante. De culturas plurais.

Assim, ao mesmo tempo é possível observar turistas encantados com uma caricatura de antigamente, mas circulando à procura de referências de seus repertórios particulares. O menino guia indica rapidamente que os “4 cantos chegou”, mas assim como na música, não se pode dizer que “todo mundo chegou” Ainda falta um cidadão olindense / paraibanense. Falta o cidadão anos 60, com suas calças curtas e camisa de botão. Causa motivadora do deslocamento até a BUDEGA, para o simples encontro de almas serenas. O menino guia alerta para uma realidade não tão distante de outras capitais brasileiras, depois da informação pede a “intéra” para o lanche. A situação de pobreza da população faz com que a informação local, tenha um valor, assim como o conhecimento cientifico, só que nesse caso, pretende atingir fins práticos muito mais emergenciais. A sobrevivência.

Ao contemplar a mescla de uma cidade pacata com a imensa acumulação de visitantes que vivem à noite, a grande movimentação de carros nas ladeiras, difere do carnaval, onde com o “empedestramento” não adianta buzinar. Uma senhora consegue se destacar diante das pessoas. Não por não parecer residente, mas o processo que ocorre é inverso. Em vez de o turista ser o diferente, o nativo parece ser figura rara. Além disso, algo que ela carrega diz muito de quem ela é. Uma sacola.

Uma bolsa, para alguns. O que importa é que aquele dia para ela, apesar de ser sexta-feira para alguns, início do fim de semana e de descanso, para ela era mais um dia de feira, assim como demonstrava sua sacola. E isso, não tinha nenhum sinônimo com: seguir “a moda”. O seu artefato em nada corroborava para o fortalecimento da indústria da moda, mas apenas tinha a função utilitária de fazer a feira. Pelo menos aparentemente.

A rainha da noite, não esperava pelas cinco horas da matina para fazer sua feira. O início da noite era o horário que partia, talvez de manhã seja o horário que chega em casa da sua feira. Assim, como pode ser o horário que alguns chegam das festas. Nesse sentido, a relação de ir à feira deixa de ser uma relação da costumeira. Para ela a ação de ir à feira tem o mesmo aspecto de ir a uma festa. Isso pode ser observado pelo glamour que ela deixa ao passar.

Poderia ser mais uma pessoa que diante das dificuldades, muitas inclusive, que existem numa sociedade estratificada, tem que se submeter a pedir ajuda aos outros para sobreviver. Uma avó, quase certeza, com seus mais de sessenta anos, contudo não deixa de expressar a sua jovialidade e trivialidade em relação à mesquineza da vida. Uma verdadeira rainha que vai para um baile, se apresentar, pousar com o seu novo modelito, um tanto acabado, é bem verdade, mas que expressa que, para ela, a sua ação de pedir esmolas para sobreviver em nada a subjuga ou a faz sentir-se inferior. Pelo contrário, é um momento de fama. Em meio à impessoalidade das pessoas, dos transeuntes que passam por ali, sua imagem ficará marcada como uma divina celebridade que caminha pelas ladeiras à noite, à procura da sobrevivência durante o dia, e que na noite busca seu personagem interior do que desejaria ser, a dessublimação do real através das suas vestes, mostra como é possível não descer do salto entre a fantasia e a realidade.

Logo depois do brilho incomum da rainha da noite, aproxima-se o palhaço da luz. Com suas chamas, convoca os presentes que se transformam na platéia a contemplar sua arte. Mais uma vez, o automóvel se mostra como um empecilho para a realização da atividade, quando decide alem de não respeitar o pedestre, não respeitar a sua arte, o iluminado tendo que cuspir o querosene antes de ser atropelado. Todavia, isso deve ser uma rotina comum para diabolin, que assim como no desenho animado, não é pouca coisa que o destrói. Continua seu número. Agora decide que assim, como a vida é uma corda bamba, muitas vezes sem tela de proteção abaixo, a sua vida em nome da arte e do seu “ganha pão”, também pode ser assim. Resolve amarrar uma corda de um canto a outro da ruela, e o que alguns achavam que não seria possível de acontecer, ocorre. Além de andar na corda bamba sem nenhum vestígio de que aquilo era algum perigo, faz peripécias às quais demonstram sua habilidade de trabalhar sem quase algum objeto, e revelar o quanto pode potencializar o seu corpo diante de uma simples corda prestes a torar.

O artista guarda dentro dele algo como uma força interna que mesmo nas maiores adversidades, o impulsiona a continuar. Não é incomum pensar que a arte de rua pode ser desvalorizada, principalmente em tempos em que o que prevalece é a corrida incessante por uma cultura cada vez mais superficial. Contudo, ele recupera suas esperanças nos aplausos e admirações pelo seu trabalho que trazem de volta o sorriso, ao rosto amargurado e sofrido diante das curvas sinuosas que está sempre enfrentando, onde podemos pensar que a maior contentação que lhe resta para continuar seja a confiança que deposita em seu modo de viver, que difere do “fordismo” social em que vivem a maioria das pessoas, como peças de um mecanismo que atrofia seus corações e mentes, restando à imaginação pouco mais que uma lacuna a ser preenchida.
título: Dinho Oliveira
por Bárbara Duarte